De Poesia e Jazz, Diversidade e Blues

Entre os compassos divididos e a sintonia de uma harmonia musical de mais de 20 anos, ao abrir as cortinas do Espaço Cultural Fernando Sabino na noite de sábado, o III ViJazz & Blues Festival presenciou a cumplicidade em teclas e cordas: de um mineiro e um argentino – apenas de nascimento – , os tons de Jazz afloraram em música brasileira.

A suavidade com que Wagner Tiso acarinhava o afinado Steinway e a força rítmica do dedilhar de notas de Victor Biglione revelavam o som de uma poesia completa em si. A combinação de intensas influências como o samba, a música mineira e a MPB foram apresentadas em versões instrumentais e carregadas de identidade compartilhada em canções como Sonho de Carnaval (Chico Buarque), Cadência do Samba (Astulfo Alves) e Sete Tempos (Wagner Tiso).

Celebrada pelo disco duo “Tocar a poética do som” (2003) que traz essencialmente toques nacionais em seu repertório, a parceria dos músicos demonstra, no palco, a essência de uma orquestrada música brasileira em cadências de Jazz e de expressividade: a transcendência entre olhares ofereceu ao público o clima intimista de um encontro entre velhos amigos.

We will Blues you
De liberdade e inspiração, os sons que se seguiram souberam agregar à cadência bem marcada do Blues os contos e viagens originais da música eletrônica e da distorção ampliada.

Personificadas por Nuno Mindelis (guitarra e voz), nos arranjos de Flávio Naves (órgão), Humberto Ziegler (bateria), Guilherme Chiappetta (DJ – efeitos e programação) e Rodrigo Mantovani (baixo, tocando pela segunda vez no III Vijazz), canções consagradas do Blues foram dotadas de uma nova identidade. Com pitadas de Rock’n Roll e impregnadas pela energia e experimentação do Free Blues (último álbum lançado), Mindelis personificou a característica mais marcante do segundo dia de Vijazz: diversidade. “[São] as músicas que mudaram minha cabeça, mudaram minha vida quando eu era moleque, com uma roupa atualizada. É o disco mais radiofônico que eu fiz” [Mindelis].

A revolução dos arranjos passa pela continuidade da injeção no Blues de psicodelia, eletricidade e rock’n roll – o que já havia sido realizado por nomes como Eric Clapton, John Mayall e Jeff Beck – e a reedição de clássicos com elementos da contemporaneidade de rap, lounge, house e hip hop, além da energia da banda formada por músicos reconhecidos internacionalmente.

Para quem vivenciou a repercussão do Woodstock com 12 anos de idade e cresceu ouvindo o som do delta do Mississipi “de uma forma mais rudimentar que existia, original”, o músico mostra que sabe quebrar as regras porque as conhece muito bem. “Tudo que eu fizer, mesmo um texto, é o blues que está fazendo. Então, essencialmente eu sou blues, embora a forma final possa não ser” [Mindelis].

Com duas músicas de B.B. King e um agradecimento “estratosférico” ao público que atuou como elemento a mais na construção do show e cantou em coro “I Know what you want”, Nuno Mindelis desceu do palco e deu a volta no Teatro, quebrando qualquer perspectiva de separação e fazendo do Fernando Sabino um espaço integrado de Blues.

Escala em preto e branco: a ponte pelo improviso

Sob os tons enrubescidos de uma atmosfera inspirada nas casas tradicionais que acolhem os compassos do Jazz e do Blues, a noite de sexta-feira abrigou a abertura da terceira edição do Festival viçosense que homenageia as duas expressões musicais.

Da ordenação artístico-musical à boa disposição estrutural, o clima intimista fez do hall de entrada e do mezanino do Centro de Vivência da UFV, envolvidos pela trilha sonora temática, um conjunto harmônico ao Espaço Fernando Sabino: o palco do encantamento pelas teclas de pianistas, tema do Vijazz & Blues, recebeu a liberdade rítmica de Fabiano de Castro Quinteto (com Vinicius Dorin) e a cadência de Donny Nichilo.

Espaço Imaginário
Com as teclas na caixa do baixo, as cordas na ponta dos dedos do sax, a percussão preta e branca do piano e o sopro das mãos às baquetas, Fabiano de Castro (piano), Vinícius Dorin (sax e flauta), João Paulo Barbosa (sax e flauta), Ricardo Zohyo (baixo acústico) e Cleber Almeida (bateria) fizeram reverberar o improviso e a leveza que marcariam a noite.

As 200 cordas vibradas pela inspiração do pianista, que de olhos fechados e com profunda expressão transmitia a intensidade serena do jazz, revelaram uma mistura de influências e ritmos. Dos elementos de samba na composição própria “Algum Tempo Depois” ao maracatu, baião e raiz mineira de “Perdido em Airões”, o suingue e os solos demonstraram a versatilidade de cada um dos integrantes da banda. Dessa mistura, a essência “é você buscar essas influências todas e deixar a emoção aflorar” [Fabiano de Castro].

Com originalidade, Fabiano de Castro apresentou as canções “Espaço Imaginário” e “13º Andar”, de sua autoria, além da música “Nascente” (Flávio Venturini) com uma versão especial para o Festival e referência a Minas Gerais. O diferencial do arranjo inclui as duas flautas transversais de João Paulo Barbosa e Vinícius Dorin.

Blues for Viçosa
Na forma peculiar de definir suas notas em melancolia, o Blues extrapola o conceito de música e mostra, em sua origem, um meio de expressão da cultura negro-africana. Entre swing e alterações da escala maior, o verdadeiro Blues de Chicago trouxe a Viçosa a autenticidade e a riqueza de influências de Donny Nichilo (voz, piano e gaita).

O ritmo compassado dos pés da platéia em uníssono ao toque do pianista e à participação intensa de Igor Prado Band – Igor Prado (vocais e guitarra), Rodrigo Mantovani (baixo) e Yuri Prado (bateria) –, levaram à segunda parte da noite o peso inspirador de um blues improvisado e determinado pela raiz do ritmo.

A tradição viva no III ViJazz & Blues ressoou a experiência de um pianista que já ofereceu seus tons a renomados gurus do blues como Stevie Ray Vaughan e Buddy Guy e que mantém a ocular simplicidade em uma presença natural de seus sons.

Com uma levada sensível e vibrante, a integração com os músicos brasileiros deu ao show referências originais e de rythm’n’blues dos anos 40, 50 e 60. A incorporação visual do estilo e a sintonia dos arranjos compuseram a dinâmica de um improviso em unidade.