Do suspiro em ecos de independência

Entre frases e distorções¹, deu-se o tom da noite que encerraria a mais fiel expressão da independência: as serpentinas que ecoaram em gritos de um legítimo rock’n roll em Poços de Caldas. De casa, não veio a prata. Refletiu-se mais. Em vibrações, timbres e vocábulos de sensibilidade e intensidade.

Não há de se prever o que vem após a próxima nota. Da simplicidade que faz reconhecer-se em alma e a complexidade que abusa em sorrir ao arranjo inesperado. A suavidade de querer sonhar e o gritar de certezas se definem na combinação das pulsantes cordas vocais de Gustavo Infante e na calma febril da voz de Vitor Negri. É assim que Mekanos se funde: as inversões e transgressões nas baquetas de Cristiano Figueiredo elevam o som do pulsar ao sutil, em acordes fortes e bem definidos pelas mãos do baixo de Guilherme Fernandes e nas guitarras de Vitor e Gustavo. A versatilidade do quarteto em si cumpre o ser e o estar em presença, extrapolando o que pudera ser esperado. E por aí, além.

O que se seguiu, não foi por menos.

Há de se entender como a ampliação do palco se deu. Impunha-se ali por expansão. A energia diversa em cinco e a banda Havanna replicou-se em si. Fez ir do chão ao ar. Completou-o. Como decifrar personalidades diversas em consonância.

A voz que sola na bateria, as baquetas que dedilham em acordes, as mãos que gritam em verdade: o que a guitarra e a escaleta de Renan Moreira diziam era compreendido pelo baixo marcado de Adriano Coxa e a conversa multiplicava-se entre a guitarra de Thiago Ferreira e a bateria, que pulsou nas mãos de Ramiro Diniz. Daí, resumiu-se em reverberações vocais de tons sutis e nas seis cordas de Kaio Fera.

O que seria o quarto cadente em si tornou-se uma escala múltipla de notas, sons, tons e verdades. O palco de ampliação geométrica ao talento que por ali circulou fez-se multiplicar naquela noite de tantos ecos pelo espaço concreto e, além, abstrato.

¹do CD Registro de Pequenos Objetos, 2009 [Mekanos].

Pra se prender no circuito astral

A viagem em 3ª ordem no Grito Rock fez-se um navegar em notas sem intervalos: o sibilar ininterrupto, eletro-magnético-solado, soou como átomo da atração “psicótica” de Jean Strigheta (voz e guitarra), o seu contraste com o sentimental Rodrigo Faleiros (voz e baixo) e o complemento do avassalador Diogo Zarate (voz e bateria).

Os uivos de solos rasantes no pout-pourri integrado a “Astro” fizeram reconhecidos acordes além de Michael Jackson, The Beatles e Led Zeppelin, como influências que passam sutis até por uma chuva de riffs meteórico-rolantes. O clima espacial parece ter ampliado a percepção do soar no vazio – como se o silêncio do vácuo explodisse na soma de compassos próprios, pousando no palco do New York Pub.

As linhas de improviso de Jennifer Magnética encontram iguais variações nos níveis de efeitos combinados no computador, mas, ainda que presos ao tempo da tela, o espontâneo é também programado. O ar raro e feito de brincadeiras em detalhes aparece sutil nos dizeres de um estilo não-identificado.

As três vozes amplificam o estroboscópio, com cada face trabalhada em essência única: o rouco do bumbo, com momentos-surpresa de viradas-solos, a extravasar cada meio-tom; o baixo em seu dançar frenético, de gargalhadas ao submergir gélido em deixar cair-se cometa no palco; o múltiplo soar da guitarra, como três em um – de solo, base e peso. Entre morfina e arsênico¹, Jennifer Magnética nos serve uma atmosfera de ambos, com um leve acréscimo de antídoto à monotonia: O Verdadeiro Underground².

Os volts alternados causaram fagulhas ascendentes no Festival. Do mais austero impor de som ao íntimo combinar de vozes, The Galo Power distribuiu as cargas do Blues somadas à resistência de todo intervalo compassado do Country.

Era de se percorrer os fios da guitarra de Bruno Galo com o mesmo escape das cordas vocais – o cantar intimista, em tom negativo, fecha o sistema com o peso da imposição positiva de Salma Jordana.

A combinação masculino/sentimental e feminino/força transpõe-se para a melodia: o brilho da guitarra em solos enérgicos, o baixo-marcado-intrigante de Rodolpho Gomes, a bateria em visual rural de Evandro Galo, que completa a pegada interiorana das mais tradicionais e marcantes levadas do Rock 50’s.

O ensurdecer do Classic-Rock-Psicodélico impõe a Solução Final³ no máximo volume amplificado: institui-se o Grito como circuito.

O sotaque caseiro tomado de inspiração para se anunciar personagens em palco é o mesmo que agrega a Lucas Prestes (bateria e backing vocal), Renato (baixo), Leo (guitarra e backing vocal) e Breno César (guitarra e voz) o desafio: erguer-se num espaço tão desejado seria a brisa mais forte ao telhado do grupo. Mas Danateia entrega aos ouvidos cacos lapidados e integra ao vivo a resistência de uma teia recém-construída.

Por vezes de proteção, as bases fortes exaltam um caminho seguro, de marcação bem definida, peso carregado em pautas e alicerçado em construção simétrica. Em outras, de captura, o grupo parece agregar o pulsar do ambiente e o orvalho exalado das vozes, transformando o Hard do Rock em uma expressão altivo-singular. É em força, pois, que Danateia se apoia para evitar a quebra e prender-se ao alternativo que não passará invisível.

¹do EP Licopeno, 2008.
²CD lançado em 2010.
³música da banda, “Final Solution”, em tradução livre.

Sincronia sinestésica em ritmos Gerais

Dos ecos ainda audíveis do primeiro brado em rock, os tons que contemplaram o intimismo, o experimentalismo e a intensidade apresentaram para a segunda noite de Grito Rock em Poços de Caldas [MG], interseções de “samba’n roll”, de forte expressividade poética, de sonoridade original e o fundamento em um: gritar a liberdade em acordes e solos coletivos das Gerais.

O intimismo vindo de Uberlândia [MG] abriu espaço para a segunda noite de misturas e relações. O rock por samba de Dom Capaz fez do início da noite uma compilação de referências melódicas e poesias compostas em arranjos. As guitarras de Bruno Vieira e Lucas Paiva, em sincronia com a batida seca da bateria de João Vitor Guerra, abriram caminho para a marcação do baixo de Felipe Tavares. A musicalidade brasileira fez preencher os espaços da noite.

Os traços de arte pela face deram às caras o que a máscara não esconderia: a expressividade poética em fusão com os compassos de um rock “afrogressivo” fizeram-se um conjunto de experimentações entorpecentes de Galanga. Com uma década de estrada, a banda ouropretana trouxe em bagagem a alma e a arte à flor da pele.


Entre feições e declamações em notas altas, Julliano apresentou a forma e a essência que a voz e a força do baixo de Sancho fizeram escancarar. Pelas reverberações das guitarras de Marcha Lenta e Zacca, os acordes expressivos fizeram entoar um rock agregador: da força ao balanço do maculelê e do progressivo em samba, que a bateria compassada de Autista fez de destruição e harmonia.

Daí à loucura sensata de Pré Pagos, a noite seguia para um fim estendido pela vontade declarada. A autenticidade nas notas combinadas de Rodrigo Gomes e Tyl Fley deram o ritmo do que seria a apresentação de um estilo único. A sintonia no palco fez demonstrar que o ao vivo grita sempre mais alto na bateria de Roni Lima e no baixo de Thiago Fraga.

A sinestesia do som evoluiu em movimento do público, que entoou as músicas autorais em refrões e sensações compartilhadas pela voz de Tyl Fley: marcante, pois. A casa se perdendo para a madrugada não foi entrave para a banda que, vinda de Barbacena [MG], conseguisse enlouquecer o “bis” até o último refrão.

O autêntico Grito trilhado em redemoinho de Rock

Em meio a um universo de influências e formações musicais comuns, destacar-se em um mundo de ideias alternativas é mostrar em toda linguagem – melódica, poética e corporal – a busca por autenticidade, sem medo de experimentação, e a valorização da identidade regional.

O Grito Rock, em seus 130 palcos espalhados por 9 países da América Latina, agrega a diversidade no estilo e o desafio no tempo: desde 2003, os blocos neste Carnaval são puxados por arranjos de peso.

Neste ano, o Estúdio ao Vivo acompanha a produção do Coletivo Corrente Cultural em Poços de Caldas-MG, que registrou 183 bandas inscritas para o Festival. As 12 selecionadas entoam o enredo dos 4 dias de shows com composições próprias, revelando os acordes da realidade alternativa/independente do Brasil.

Do som intimista e elementos reciclados do Punk ao clima nostálgico e retrô – influências de bandas como Arctic Monkeys, Franz Ferdinand e Los Hermanos -, a banda Utopia abriu o Grito Rock mostrando suas diversas faces. Em cada integrante, uma característica faz soar este timbre: a serenidade das notas de Pedrinho (guitarra), de passo miúdo e tímido; a entrega de Cido entoando ápices na voz e guitarra; a serenidade de Chumbinho num baixo solado em completo espontâneo; e a energia extravasada na pele da bateria de Daniel.

 

Infiltrados numa melodia detalhada, os sons em conjunto revelam um estilo muito bem definido de um caminho construído em poucos anos de estrada: formada em 2005, Utopia passou a cantar músicas próprias em 2008 e gravou o EP Monólogo um ano depois. O público que lotou o espaço do New York foi recebido com versões de músicas deste último trabalho e refrões inéditos a serem lançados ainda este ano, dentre eles um arranjo-ápice a quatro mãos em base de bateria-percussão-espetáculo.

Os intervalos marcados pela trilha sonora (de Novos Baianos a The Strokes, de Radiohead a The Doors) com a mesma diversidade das bandas que sobem ao palco ascendem o Grito ao nível de um Festival de completo Rock.

Doses de Blues e Baião compõem a batida interiorana da banda Pé de Macaco. O solo inicial da gaita parecia prever um soar melancólico, de se apreciar em pequenos goles, de se acompanhar do balcão. Mas, já no primeiro conjunto de notas experimentadas por Felipe Barbosa (guitarra e vocal), Arthur Romio (guitarra e vocal), Eduardo Porto (bateria e backing) e Lucas Martini (baixo e gaita), revelaram-se uma brasilidade embriagante e um Rock’n Roll devastador.

A proposta de, desde 2009, investir em “multicultura, versatilidade, energia e subjetividade” foi gravada no EP lançado neste ano com as faixas “Música da Naty”, “P.A.C.”, “Baby, eu Cansei” e “Coroné Antonio Bento”. Mas é ao vivo que o grupo revela todo um extravasar em múltiplas linguagens. Até marchinhas em pout-pourris com solos de guitarra marcam o redemoinho de ritmos de Pé de Macaco.

O olhar faceiro de um menino em lente preto e branca evolui para um simples rabisco a la giz de cêra em mãos: além da música, obras da ExpoGrito 2011 – transmitida nas telas – emolduraram o ambiente com as cores e as formas de artistas de todo o Brasil.

Se há uma forma de descrever a força do Grito Rock, ela está na interpretação da Banda K2. Diego Ávila (baixo e vocal) e Douglas Maiochi (bateria) bradam em solos a mensagem das letras e transmitem pela melodia as ideias que, visceral, Pedro Cezar (guitarra e vocal) traduz.

De “Ontem Acabou o Nosso Amor” a “Locomotiva”, os músicos revelam que o caminho de 13 anos trilhado pela banda é “reinventar”: da pura sensibilidade em onomatopéias soladas ao descarrilar de influências brasileiras; do intenso em suingue do Ska à velocidade Metal. O som se constrói como vagões de carga – do alinhamento ao peso -, em multi-solos de guitarra, marcações pesadas do baixo e ritmos sincopados de bateria.

Com discurso em favor da necessidade de “Mudanças” – música que elevou o sentimento de revolução pelo som – e mesmo nos versos de sambas entoados, como em “As Rosas não Falam” (Cartola), K2 ensina o que é ter essência de Power Trio.

De Carona

Foi para anunciar um som de peso que The Limousine Drivers assumiu a direção dos acordes no Clube Outs na noite do dia 18 de setembro. Desde a música de abertura, Scary Scars, a pegada punk-rock dos anos 60 e 70, a energia no palco e a interação com o público mostraram que Du (baixo), Felipe (bateria), Boriz! (guitarra) e Vinícius Lepore (vocal e guitarra) extrapolam o som de garagem e sustentam a maturidade de quem já transita com segurança pelas músicas próprias.

The Limousine Drivers toca no London Pub como atração principal.

O grupo, que lançou em 2008 o primeiro EP “Watch Your Wishes”, integra “Stuck”, “Como on Over Me” e “All By Myself ” ao repertório – disponíveis no novo Myspace. As músicas são trabalhadas com solos enérgicos de guitarra e com a batida marcada da bateria, que surpreende em seus ‘grand finales’. Com performances que exploram a potência de um trio vocal e a inspiração natural de quem tem o puro “Rock’n Roll correndo nas veias”, The Limousine ainda mostrou tons versáteis ao apresentar, também, elementos, nas palavras da banda, do “mais perto que conseguem chegar de reggae, ska e stamp”. Um show curto e para lotação, mas que contou com público reduzido. Ainda assim, TLDs não se limitou a dar passagem, promovendo carona à energia para as próximas atrações.

Foi no London Pub que o Estúdio ao Vivo gravou sobre a estrada da banda (onde apresentaram também o EP “Headache”), que se apresenta novamente no Clube Outs no dia 21 de janeiro, já com as músicas do novo CD como repertório. TLDrivers integra o Especial 4 anos por ser a primeira banda paulista independente que entrevistamos na nova fase do blog:

Links
Myspace
Twitter – @TLdrivers

Show: dia 18/09
Local: Clube Outs
Bandas: The Limousine Drivers, Maglore, Vivendo do Ócio
Fotos: Clube Outs

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Agradecimentos
A Valetim e Edu, do Clube Outs, pelo apoio à cobertura dos shows.
Aos integrantes da banda The Limousine Drivers (Boriz!, Du, Vinícius, Felipe) pela disponibilidade e atenção.
Ao London Pub, pela estrutura para a entrevista.

De Cores

 

Era de se esperar um pulsar sereno a ditar a base do show do Maglore. À cadência de “A sete chaves”, os baianos Igor Andrade (bateria), Lelão (teclados, escaleta e guitarra), Nery Castro (contrabaixo) e Teago Oliveira (guitarra e voz) abriram em tom melancólico a estreia na cidade de São Paulo.

Salta à voz de Teago a melhor descrição do que são em palco: os versos das músicas próprias, lançadas em 2009 no EP “As Cores do Vento” e também em 2010, com a finalização do primeiro CD Veroz.

‘Nenhum peso pelo medo de gostar’
Maglore mostra uma seleção cuidadosa do repertório. As influências presentes no show – como The Beatles e Mutantes – contribuem para a afinação do grupo com o público, que mesmo em canções inéditas se manteve no compasso exposto pela mistura de ritmos sustentada pelos instrumentistas.

A gente não faz parte de nenhum estilo de música. A gente mistura tanto Ijexá, que é música baiana, quanto Rock’n Roll ou o Pop-Rock. […] As músicas são muito diferentes entre si, a banda possui uma gama de composições que não tem uma linha concreta.

O resultado é o sucesso construído em pouco mais de um ano, que gerou demanda pelo novo CD em lugares além da Bahia e possibilitou a apresentação em São Paulo a partir de pedidos realizados pelos fãs do grupo via Twitter.

‘Lembra quando tudo começou’
Em 2009, o compositor Teago convidou músicos para a gravação de cinco canções. O resultado é o EP que tem como base a sinestesia: “As Cores do Vento” surgiu da “vontade de se expressar livremente” e ainda tem muito das características do vocalista.

‘Pra se perder, se achar e se entender’
Aos poucos, a identidade de Maglore é construída pela mistura de estilos e, ao mesmo tempo, pela convergência de objetivos – viver profissionalmente de música é um deles, ainda que haja dificuldade em encarar a realidade independente na Bahia e conseguir expandir o trabalho para outros Estados.

‘O destino que traçar’
Para o novo projeto, que começou a ser apresentado ao vivo e, aos poucos, pelo Myspace da banda, esperam-se traços mais firmes de maturidade, heterogeneidade e riqueza de elementos que revelam um pouco mais de cada integrante. São mudanças sutis em relação ao EP, o que deve se tornar ainda mais presente no 3º disco – já idealizado.

‘Se guiando pelo vento’
O público passa a conhecer “Veroz” single-a-single pela divulgação online das músicas até janeiro de 2011. O lançamento definitico ainda depende de parcerias com distribuidoras. Além disso, o clipe de “Demodê” passou a ser veiculado no dia 18 deste mês no MTV Lab Br.

Junto à banda “Os Barcos”, de Vitória da Conquista, Maglore realizou recentemente uma turnê pelo Nordeste, passando por cidades como Feira de Santana (BA), Aracaju (SE), Recife (PE), João Pessoa (PB), Campina Grande (PB) e Natal (RN). Os grupos participam do segmento chamado “Novíssimos Baianos”, definição do jornalista Luciano Matos em referência à uma nova geração no rock baiano.

O show de Maglore foi escolhido por nós para o especial 4 anos do Estúdio ao Vivo pela coincidência do grupo representar de forma sutil os três Estados pelos quais o blog já passou. A mineira Amanda Oliveira começou a escutar os baianos (meus conterrâneos) em Poços de Caldas-MG e me apresentou ao som em Viçosa-MG. Agora, compartilham a estreia em São Paulo com a estreia do Estúdio ao Vivo por aqui. Confira trechos da entrevista exclusiva e do show no Clube Outs em 18 de setembro:

Set List original
A Sete Chaves
Enquanto Sós
Megalomania
Hash Pipe
O Mel e o Fel
Todos os Amores são Iguais
Tão Além
Drive my Car
Pai Mundo
Às Vezes um Clichê
Demodê
Balada do Louco
Lápis de Carvão

Links
Site oficial
Myspace
Twitter – @Maglore

Show: dia 18/09
Local: Clube Outs
Bandas: The Limousine Drivers, Maglore, Vivendo do Ócio
Fotos: Clube Outs

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Agradecimentos
A Valetim e Edu, do Clube Outs, pelo apoio à cobertura dos shows.
A Érika Leone e Azevedo Lobo (Produção da banda Maglore), pela atenção no atendimento.
Aos integrantes da banda Maglore (Nery, Igor, Lelão e Teago) pela entrevista e apoio à iniciativa do blog.

De Poesia e Jazz, Diversidade e Blues

Entre os compassos divididos e a sintonia de uma harmonia musical de mais de 20 anos, ao abrir as cortinas do Espaço Cultural Fernando Sabino na noite de sábado, o III ViJazz & Blues Festival presenciou a cumplicidade em teclas e cordas: de um mineiro e um argentino – apenas de nascimento – , os tons de Jazz afloraram em música brasileira.

A suavidade com que Wagner Tiso acarinhava o afinado Steinway e a força rítmica do dedilhar de notas de Victor Biglione revelavam o som de uma poesia completa em si. A combinação de intensas influências como o samba, a música mineira e a MPB foram apresentadas em versões instrumentais e carregadas de identidade compartilhada em canções como Sonho de Carnaval (Chico Buarque), Cadência do Samba (Astulfo Alves) e Sete Tempos (Wagner Tiso).

Celebrada pelo disco duo “Tocar a poética do som” (2003) que traz essencialmente toques nacionais em seu repertório, a parceria dos músicos demonstra, no palco, a essência de uma orquestrada música brasileira em cadências de Jazz e de expressividade: a transcendência entre olhares ofereceu ao público o clima intimista de um encontro entre velhos amigos.

We will Blues you
De liberdade e inspiração, os sons que se seguiram souberam agregar à cadência bem marcada do Blues os contos e viagens originais da música eletrônica e da distorção ampliada.

Personificadas por Nuno Mindelis (guitarra e voz), nos arranjos de Flávio Naves (órgão), Humberto Ziegler (bateria), Guilherme Chiappetta (DJ – efeitos e programação) e Rodrigo Mantovani (baixo, tocando pela segunda vez no III Vijazz), canções consagradas do Blues foram dotadas de uma nova identidade. Com pitadas de Rock’n Roll e impregnadas pela energia e experimentação do Free Blues (último álbum lançado), Mindelis personificou a característica mais marcante do segundo dia de Vijazz: diversidade. “[São] as músicas que mudaram minha cabeça, mudaram minha vida quando eu era moleque, com uma roupa atualizada. É o disco mais radiofônico que eu fiz” [Mindelis].

A revolução dos arranjos passa pela continuidade da injeção no Blues de psicodelia, eletricidade e rock’n roll – o que já havia sido realizado por nomes como Eric Clapton, John Mayall e Jeff Beck – e a reedição de clássicos com elementos da contemporaneidade de rap, lounge, house e hip hop, além da energia da banda formada por músicos reconhecidos internacionalmente.

Para quem vivenciou a repercussão do Woodstock com 12 anos de idade e cresceu ouvindo o som do delta do Mississipi “de uma forma mais rudimentar que existia, original”, o músico mostra que sabe quebrar as regras porque as conhece muito bem. “Tudo que eu fizer, mesmo um texto, é o blues que está fazendo. Então, essencialmente eu sou blues, embora a forma final possa não ser” [Mindelis].

Com duas músicas de B.B. King e um agradecimento “estratosférico” ao público que atuou como elemento a mais na construção do show e cantou em coro “I Know what you want”, Nuno Mindelis desceu do palco e deu a volta no Teatro, quebrando qualquer perspectiva de separação e fazendo do Fernando Sabino um espaço integrado de Blues.

O Rock Refinado de Foxtrot

Os produtores Carlos Marques (à esquerda) e Breno Carvalho (à direita) com os músicos Sânzio Brandão (guitarra), André Godoy (bateria), Marcelo Cioglia (baixo e voz), Renato Savassi (voz, violão, flauta, bandolim e gaita), durante passagem de som em Viçosa-MG.

“Eu gosto de Blues e Beatles. Renato [Savassi], progressivo. Marcelo [Cioglia], metaleiro. [André] Godoy é brasileiro”. Assim, Sânzio Brandão (que hoje assume a guitarra) revela as características mais marcantes dos integrantes de Foxtrot. As influências agregam elementos numa banda que busca o “rock refinado” [Renato Savassi].

Guitarra, violão, baixo e bateria unem-se em sonoridade diferenciada à bandolim e flauta, com canções que resgatam principalmente o Folk Rock.

A pureza do som do grupo, reforçada pelo conjunto vocal de Renato Savassi e Marcelo Cioglia, é a principal atração da XVI edição do Musical Box Alive, que acontece logo mais no Espaço Galpão a partir das 23h.

Acompanhamos a passagem de som e constatamos que a proposta inicial de “fazer um som bem leve, (…) uma coisa acústica (…) e usando muito vocal” [Savassi] não se perdeu em essência. O show promete variar entre o folk, o country e o progressivo, com margem ampla para improvisos.

Ao público, a garantia da mesma qualidade e bom humor da última experiência dos integrantes na cidade, quando tocaram como banda Cálix em Viçosa no Musical Box in Concert: “a gente se sente bem aqui em Viçosa, hoje acho que vai ser legal demais. A casa, é a primeira vez que a gente está vido aqui, mas já vi que o show vai ser muito bom, nós vamos sair satisfeitos e ver o jogo do Brasil amanhã tranquilos [André Godoy].

Escala em preto e branco: a ponte pelo improviso

Sob os tons enrubescidos de uma atmosfera inspirada nas casas tradicionais que acolhem os compassos do Jazz e do Blues, a noite de sexta-feira abrigou a abertura da terceira edição do Festival viçosense que homenageia as duas expressões musicais.

Da ordenação artístico-musical à boa disposição estrutural, o clima intimista fez do hall de entrada e do mezanino do Centro de Vivência da UFV, envolvidos pela trilha sonora temática, um conjunto harmônico ao Espaço Fernando Sabino: o palco do encantamento pelas teclas de pianistas, tema do Vijazz & Blues, recebeu a liberdade rítmica de Fabiano de Castro Quinteto (com Vinicius Dorin) e a cadência de Donny Nichilo.

Espaço Imaginário
Com as teclas na caixa do baixo, as cordas na ponta dos dedos do sax, a percussão preta e branca do piano e o sopro das mãos às baquetas, Fabiano de Castro (piano), Vinícius Dorin (sax e flauta), João Paulo Barbosa (sax e flauta), Ricardo Zohyo (baixo acústico) e Cleber Almeida (bateria) fizeram reverberar o improviso e a leveza que marcariam a noite.

As 200 cordas vibradas pela inspiração do pianista, que de olhos fechados e com profunda expressão transmitia a intensidade serena do jazz, revelaram uma mistura de influências e ritmos. Dos elementos de samba na composição própria “Algum Tempo Depois” ao maracatu, baião e raiz mineira de “Perdido em Airões”, o suingue e os solos demonstraram a versatilidade de cada um dos integrantes da banda. Dessa mistura, a essência “é você buscar essas influências todas e deixar a emoção aflorar” [Fabiano de Castro].

Com originalidade, Fabiano de Castro apresentou as canções “Espaço Imaginário” e “13º Andar”, de sua autoria, além da música “Nascente” (Flávio Venturini) com uma versão especial para o Festival e referência a Minas Gerais. O diferencial do arranjo inclui as duas flautas transversais de João Paulo Barbosa e Vinícius Dorin.

Blues for Viçosa
Na forma peculiar de definir suas notas em melancolia, o Blues extrapola o conceito de música e mostra, em sua origem, um meio de expressão da cultura negro-africana. Entre swing e alterações da escala maior, o verdadeiro Blues de Chicago trouxe a Viçosa a autenticidade e a riqueza de influências de Donny Nichilo (voz, piano e gaita).

O ritmo compassado dos pés da platéia em uníssono ao toque do pianista e à participação intensa de Igor Prado Band – Igor Prado (vocais e guitarra), Rodrigo Mantovani (baixo) e Yuri Prado (bateria) –, levaram à segunda parte da noite o peso inspirador de um blues improvisado e determinado pela raiz do ritmo.

A tradição viva no III ViJazz & Blues ressoou a experiência de um pianista que já ofereceu seus tons a renomados gurus do blues como Stevie Ray Vaughan e Buddy Guy e que mantém a ocular simplicidade em uma presença natural de seus sons.

Com uma levada sensível e vibrante, a integração com os músicos brasileiros deu ao show referências originais e de rythm’n’blues dos anos 40, 50 e 60. A incorporação visual do estilo e a sintonia dos arranjos compuseram a dinâmica de um improviso em unidade.

Dia de “Rockixe”: a vez dos “Fab Four”

Foi de resgate que a banda O Quinto (Viçosa-MG) anunciou que 15 de maio era dia de Rock no palco do Espaço Galpão. Assim soaram os acordes que libertaram a riqueza rítmica do rock rural com Sá, Rodrix e Guarabyra; a mineiridade de Milton Nascimento; os ensaios progressivos de Mutantes e Novos Baianos; o clássico de Jethro Tull; o blues de Cream; o underground de The Beatles.

Do estilo e pegada setentista da bateria de Renan Barcelos à harmonia serena do trio vocal de Vinícius de Paula (guitarra, vocais, gaita), Diogo Moreira (guitarra, vocais, viola de 10 cordas) e Guilherme Castro (baixo, vocais), a abertura do XV Musical Box Alive em Viçosa-MG transformou-se em uma apresentação experimental e melódica. O músico viçosense Paulo Bandeira, que acompanhou o show, destacou a fidelidade ao estilo anos 70, com a mesma energia, a mesma atmosfera.

E mais: a performance dos músicos no palco fez do show intenso e sutil, cumprindo a busca pelo “equilíbrio, onde o som represente de forma sincera e harmoniosa” cada um dos integrantes. Explica-se pelas influências (Led Zeppelin, The Beatles, Mutantes, Jimi Hendrix, Grand Funk) ou pela vivência e convivência de Renan, Vinícius, Diogo e Guilherme. “Hoje a gente passa muito mais tempo junto e isso afeta diretamente o som”. A definição da essência de O Quinto é tão simples e verdadeira quanto o que mostram no palco: “tentamos fazer um som que não traga o gosto de passado. Que seja pra frente, usando sim influências de estilos que já tiveram sua época, mas representando mais o presente!” [Guilherme Castro].

Let me sing, let it be
“É uma homenagem emocionante que a gente faz. Se tiver emoção, pra gente é muito importante”. Assim, Cristhian Magalhães (baixo e voz) anuciou, logo após a passagem de som, o que o público poderia esperar do show de Raulzitles (Belo Horizonte). A expectativa também cercava a banda e tinha como base a apresentação de 2009, durante a 10ª edição do Musical Box Alive. Nas palavras do baterista Bhydhu: “o show que fizemos o ano passado aqui, pra nós foi memorável. Público bom demais, receptivo, cantando as músicas, foi um show muito bom. E eu não tenho dúvida que esse agora também vai ser melhor ainda”. A tradução em palco dos dois fenômenos musicais Raul Seixas e The Beatles também é assinada por Khadhu (violão, voz, guitarra) e Guilherme Bicudo (guitarra, teclados, voz).

A sensibilidade dos multinstrumentistas, que revezam suas funções no palco e se complementam musicalmente, revela um grupo que começou numa brincadeira, há quase 3 anos, pelo prazer de tocar canções do grande nome do rock brasileiro e do Fab Four. Mostra também a experiência com covers do progressivo dos anos 70, do hard rock e do rock nacional, a influência da música clássica e as composições próprias – é o caso dos irmãos Khadhu e Bhydhu, que integram a banda Cartoon.

Com a qualidade vocal, arranjos detalhados trabalhados com intensa pesquisa e improvisos que ditam a energia do show, Raulzitles deixou a certeza de que durante a apresentação encontramos o essencial dos homenageados, mas também de cada um dos integrantes da banda: a pureza e a emoção do rock’n roll.

Agenda
Raulzitles
12 de Junho (Sábado)
Local: Jack Rock Bar
Abertura da casa: 21h
Horário do Show: 00:00h
Av. do Contorno, 5623 – Funcionários
Belo Horizonte – MG
Inf. e reservas: (31) 3227-4510

18 de Junho (Sexta)
Local: Lord Pub
Abertura da casa: 21h
Horário do Show: 00:00h
Rua Viçosa, 263
Bairro: São Pedro -Belo Horizonte/MG
Informações e reservas: (031) 3223-5979

Links
Raulzitles – Comunidade no orkut
O Quinto – Perfil no orkut

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Agradecimentos

Aos produtores do Musical Box Alive, Breno Carvalho e Carlos Marques, pela parceria e apoio.
Aos músicos das bandas O Quinto e Raulzitles, pelas entrevistas e pela atenção.