Do suspiro em ecos de independência

Entre frases e distorções¹, deu-se o tom da noite que encerraria a mais fiel expressão da independência: as serpentinas que ecoaram em gritos de um legítimo rock’n roll em Poços de Caldas. De casa, não veio a prata. Refletiu-se mais. Em vibrações, timbres e vocábulos de sensibilidade e intensidade.

Não há de se prever o que vem após a próxima nota. Da simplicidade que faz reconhecer-se em alma e a complexidade que abusa em sorrir ao arranjo inesperado. A suavidade de querer sonhar e o gritar de certezas se definem na combinação das pulsantes cordas vocais de Gustavo Infante e na calma febril da voz de Vitor Negri. É assim que Mekanos se funde: as inversões e transgressões nas baquetas de Cristiano Figueiredo elevam o som do pulsar ao sutil, em acordes fortes e bem definidos pelas mãos do baixo de Guilherme Fernandes e nas guitarras de Vitor e Gustavo. A versatilidade do quarteto em si cumpre o ser e o estar em presença, extrapolando o que pudera ser esperado. E por aí, além.

O que se seguiu, não foi por menos.

Há de se entender como a ampliação do palco se deu. Impunha-se ali por expansão. A energia diversa em cinco e a banda Havanna replicou-se em si. Fez ir do chão ao ar. Completou-o. Como decifrar personalidades diversas em consonância.

A voz que sola na bateria, as baquetas que dedilham em acordes, as mãos que gritam em verdade: o que a guitarra e a escaleta de Renan Moreira diziam era compreendido pelo baixo marcado de Adriano Coxa e a conversa multiplicava-se entre a guitarra de Thiago Ferreira e a bateria, que pulsou nas mãos de Ramiro Diniz. Daí, resumiu-se em reverberações vocais de tons sutis e nas seis cordas de Kaio Fera.

O que seria o quarto cadente em si tornou-se uma escala múltipla de notas, sons, tons e verdades. O palco de ampliação geométrica ao talento que por ali circulou fez-se multiplicar naquela noite de tantos ecos pelo espaço concreto e, além, abstrato.

¹do CD Registro de Pequenos Objetos, 2009 [Mekanos].

Pra se prender no circuito astral

A viagem em 3ª ordem no Grito Rock fez-se um navegar em notas sem intervalos: o sibilar ininterrupto, eletro-magnético-solado, soou como átomo da atração “psicótica” de Jean Strigheta (voz e guitarra), o seu contraste com o sentimental Rodrigo Faleiros (voz e baixo) e o complemento do avassalador Diogo Zarate (voz e bateria).

Os uivos de solos rasantes no pout-pourri integrado a “Astro” fizeram reconhecidos acordes além de Michael Jackson, The Beatles e Led Zeppelin, como influências que passam sutis até por uma chuva de riffs meteórico-rolantes. O clima espacial parece ter ampliado a percepção do soar no vazio – como se o silêncio do vácuo explodisse na soma de compassos próprios, pousando no palco do New York Pub.

As linhas de improviso de Jennifer Magnética encontram iguais variações nos níveis de efeitos combinados no computador, mas, ainda que presos ao tempo da tela, o espontâneo é também programado. O ar raro e feito de brincadeiras em detalhes aparece sutil nos dizeres de um estilo não-identificado.

As três vozes amplificam o estroboscópio, com cada face trabalhada em essência única: o rouco do bumbo, com momentos-surpresa de viradas-solos, a extravasar cada meio-tom; o baixo em seu dançar frenético, de gargalhadas ao submergir gélido em deixar cair-se cometa no palco; o múltiplo soar da guitarra, como três em um – de solo, base e peso. Entre morfina e arsênico¹, Jennifer Magnética nos serve uma atmosfera de ambos, com um leve acréscimo de antídoto à monotonia: O Verdadeiro Underground².

Os volts alternados causaram fagulhas ascendentes no Festival. Do mais austero impor de som ao íntimo combinar de vozes, The Galo Power distribuiu as cargas do Blues somadas à resistência de todo intervalo compassado do Country.

Era de se percorrer os fios da guitarra de Bruno Galo com o mesmo escape das cordas vocais – o cantar intimista, em tom negativo, fecha o sistema com o peso da imposição positiva de Salma Jordana.

A combinação masculino/sentimental e feminino/força transpõe-se para a melodia: o brilho da guitarra em solos enérgicos, o baixo-marcado-intrigante de Rodolpho Gomes, a bateria em visual rural de Evandro Galo, que completa a pegada interiorana das mais tradicionais e marcantes levadas do Rock 50’s.

O ensurdecer do Classic-Rock-Psicodélico impõe a Solução Final³ no máximo volume amplificado: institui-se o Grito como circuito.

O sotaque caseiro tomado de inspiração para se anunciar personagens em palco é o mesmo que agrega a Lucas Prestes (bateria e backing vocal), Renato (baixo), Leo (guitarra e backing vocal) e Breno César (guitarra e voz) o desafio: erguer-se num espaço tão desejado seria a brisa mais forte ao telhado do grupo. Mas Danateia entrega aos ouvidos cacos lapidados e integra ao vivo a resistência de uma teia recém-construída.

Por vezes de proteção, as bases fortes exaltam um caminho seguro, de marcação bem definida, peso carregado em pautas e alicerçado em construção simétrica. Em outras, de captura, o grupo parece agregar o pulsar do ambiente e o orvalho exalado das vozes, transformando o Hard do Rock em uma expressão altivo-singular. É em força, pois, que Danateia se apoia para evitar a quebra e prender-se ao alternativo que não passará invisível.

¹do EP Licopeno, 2008.
²CD lançado em 2010.
³música da banda, “Final Solution”, em tradução livre.

Sincronia sinestésica em ritmos Gerais

Dos ecos ainda audíveis do primeiro brado em rock, os tons que contemplaram o intimismo, o experimentalismo e a intensidade apresentaram para a segunda noite de Grito Rock em Poços de Caldas [MG], interseções de “samba’n roll”, de forte expressividade poética, de sonoridade original e o fundamento em um: gritar a liberdade em acordes e solos coletivos das Gerais.

O intimismo vindo de Uberlândia [MG] abriu espaço para a segunda noite de misturas e relações. O rock por samba de Dom Capaz fez do início da noite uma compilação de referências melódicas e poesias compostas em arranjos. As guitarras de Bruno Vieira e Lucas Paiva, em sincronia com a batida seca da bateria de João Vitor Guerra, abriram caminho para a marcação do baixo de Felipe Tavares. A musicalidade brasileira fez preencher os espaços da noite.

Os traços de arte pela face deram às caras o que a máscara não esconderia: a expressividade poética em fusão com os compassos de um rock “afrogressivo” fizeram-se um conjunto de experimentações entorpecentes de Galanga. Com uma década de estrada, a banda ouropretana trouxe em bagagem a alma e a arte à flor da pele.


Entre feições e declamações em notas altas, Julliano apresentou a forma e a essência que a voz e a força do baixo de Sancho fizeram escancarar. Pelas reverberações das guitarras de Marcha Lenta e Zacca, os acordes expressivos fizeram entoar um rock agregador: da força ao balanço do maculelê e do progressivo em samba, que a bateria compassada de Autista fez de destruição e harmonia.

Daí à loucura sensata de Pré Pagos, a noite seguia para um fim estendido pela vontade declarada. A autenticidade nas notas combinadas de Rodrigo Gomes e Tyl Fley deram o ritmo do que seria a apresentação de um estilo único. A sintonia no palco fez demonstrar que o ao vivo grita sempre mais alto na bateria de Roni Lima e no baixo de Thiago Fraga.

A sinestesia do som evoluiu em movimento do público, que entoou as músicas autorais em refrões e sensações compartilhadas pela voz de Tyl Fley: marcante, pois. A casa se perdendo para a madrugada não foi entrave para a banda que, vinda de Barbacena [MG], conseguisse enlouquecer o “bis” até o último refrão.

O autêntico Grito trilhado em redemoinho de Rock

Em meio a um universo de influências e formações musicais comuns, destacar-se em um mundo de ideias alternativas é mostrar em toda linguagem – melódica, poética e corporal – a busca por autenticidade, sem medo de experimentação, e a valorização da identidade regional.

O Grito Rock, em seus 130 palcos espalhados por 9 países da América Latina, agrega a diversidade no estilo e o desafio no tempo: desde 2003, os blocos neste Carnaval são puxados por arranjos de peso.

Neste ano, o Estúdio ao Vivo acompanha a produção do Coletivo Corrente Cultural em Poços de Caldas-MG, que registrou 183 bandas inscritas para o Festival. As 12 selecionadas entoam o enredo dos 4 dias de shows com composições próprias, revelando os acordes da realidade alternativa/independente do Brasil.

Do som intimista e elementos reciclados do Punk ao clima nostálgico e retrô – influências de bandas como Arctic Monkeys, Franz Ferdinand e Los Hermanos -, a banda Utopia abriu o Grito Rock mostrando suas diversas faces. Em cada integrante, uma característica faz soar este timbre: a serenidade das notas de Pedrinho (guitarra), de passo miúdo e tímido; a entrega de Cido entoando ápices na voz e guitarra; a serenidade de Chumbinho num baixo solado em completo espontâneo; e a energia extravasada na pele da bateria de Daniel.

 

Infiltrados numa melodia detalhada, os sons em conjunto revelam um estilo muito bem definido de um caminho construído em poucos anos de estrada: formada em 2005, Utopia passou a cantar músicas próprias em 2008 e gravou o EP Monólogo um ano depois. O público que lotou o espaço do New York foi recebido com versões de músicas deste último trabalho e refrões inéditos a serem lançados ainda este ano, dentre eles um arranjo-ápice a quatro mãos em base de bateria-percussão-espetáculo.

Os intervalos marcados pela trilha sonora (de Novos Baianos a The Strokes, de Radiohead a The Doors) com a mesma diversidade das bandas que sobem ao palco ascendem o Grito ao nível de um Festival de completo Rock.

Doses de Blues e Baião compõem a batida interiorana da banda Pé de Macaco. O solo inicial da gaita parecia prever um soar melancólico, de se apreciar em pequenos goles, de se acompanhar do balcão. Mas, já no primeiro conjunto de notas experimentadas por Felipe Barbosa (guitarra e vocal), Arthur Romio (guitarra e vocal), Eduardo Porto (bateria e backing) e Lucas Martini (baixo e gaita), revelaram-se uma brasilidade embriagante e um Rock’n Roll devastador.

A proposta de, desde 2009, investir em “multicultura, versatilidade, energia e subjetividade” foi gravada no EP lançado neste ano com as faixas “Música da Naty”, “P.A.C.”, “Baby, eu Cansei” e “Coroné Antonio Bento”. Mas é ao vivo que o grupo revela todo um extravasar em múltiplas linguagens. Até marchinhas em pout-pourris com solos de guitarra marcam o redemoinho de ritmos de Pé de Macaco.

O olhar faceiro de um menino em lente preto e branca evolui para um simples rabisco a la giz de cêra em mãos: além da música, obras da ExpoGrito 2011 – transmitida nas telas – emolduraram o ambiente com as cores e as formas de artistas de todo o Brasil.

Se há uma forma de descrever a força do Grito Rock, ela está na interpretação da Banda K2. Diego Ávila (baixo e vocal) e Douglas Maiochi (bateria) bradam em solos a mensagem das letras e transmitem pela melodia as ideias que, visceral, Pedro Cezar (guitarra e vocal) traduz.

De “Ontem Acabou o Nosso Amor” a “Locomotiva”, os músicos revelam que o caminho de 13 anos trilhado pela banda é “reinventar”: da pura sensibilidade em onomatopéias soladas ao descarrilar de influências brasileiras; do intenso em suingue do Ska à velocidade Metal. O som se constrói como vagões de carga – do alinhamento ao peso -, em multi-solos de guitarra, marcações pesadas do baixo e ritmos sincopados de bateria.

Com discurso em favor da necessidade de “Mudanças” – música que elevou o sentimento de revolução pelo som – e mesmo nos versos de sambas entoados, como em “As Rosas não Falam” (Cartola), K2 ensina o que é ter essência de Power Trio.